quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A abnegação - pediatra Carlos González


Segue mais um belo texto do dr González. Copiei do GVA e a tradução é livre, desculpem os erros, alguns eu corrigi outros deixei como estavam porque não tinha o texto original. 




A abnegação -  pediatra Carlos González

"Uma vez esquecidos os ditosos horários e implantada a lactância em livre-demanda, a maior parte dos problemas com a lactancia sao devidos a má posição. Como é possível que existam tantos bebês mal colocados ao peito?

Depois de ler uma larga e tediosa explicação precedente, um se vê tentado de dizer: "pois, porque é tão difícil que ninguém explica". Mas não é tão difícil. Todos os mamíferos mamam sem que ninguém lhes explique a posição correta e assim o fizeram nossas antepassadas durante milhões de
anos.

Eu estava preocupado. Demorei anos em compreender realmente qual é a posição correta, anos de ler livros, ver vídeos e escutar os espertos. Como o conseguiam, então, na cova da Altamira? (tempo das cavernas).

O mito da mãe abnegada também contribui a que muitos bebês mamem em má posição. Por que o bico do peito dói tanto? Um belisco no bico é muito mais doloroso que em qualquer outro ponto da pele. Talvez tem que ser muito sensível para poder reaccionar aos estímulos e desencadear os reflexos da ocitocina e da prolactina? Não necessariamente. O que conhecemos como “tato” são em realidade vários sentidos distintos, com distintos receptores e distintos nervos. O bico do peito poderia ser tão sensível à pressão ou ao contato, mas pouco sensível à dor.

Penso que a extrema sensibilidade à dor serve para garantir que o bebê agarre bem ao peito. Por que davam o peito as mulheres das cavernas, por que dão o peito os animais? Porque se recomenda o médico, porque ouviram que é muito nutritivo e  protege contra as infecções? Está claro que
não. O primeiro motivo que levam as mães animais e humanas a darem o peito é, simplesmente, para que o bebê se cale. O choro é um som muito desagradável, que impulsa a mãe a fazeor algo para acalmar o bebê. Peito, braços, carícias, canções, seja o que seja, mas que se cale.

Que passava nos tempos da caverna quando um bebê mamava em má posição? O bebê chora, lhe dou peito. Me dói, lhe tiro o peito. Chora outra vez, coloco o peito novamente. Me dói novamente, tiro o peito outra vez...e assim até acertar com a posicao correta: “anda, desta vez nao dói! Pois que mame todo o que queira...” a dor é um aviso do nosso corpo que a mãe deve mudar de posição, assim, pode corrigir o problema antes que apareçam as fissuras, as mastites, os vômitos, as cólicas...

Mas, em tempos mais atuais, a lactância sofreu conotações morais. Uma “boa mãe” segue dando o peito, ainda que lhe doa. Uma boa mãe se sacrifica e cumpre com o seu dever.

Uma “boa mãe” não escuta as mensagens do seu corpo e segue dando o peito em uma má posição. Até que saem as fissuras- E quando já nao pode suportar a dor, a ansiedade e o esgotamento, quando se entrega e passe à mamadeira, os mesmo que lhe dizem: “nao te preocupes, com os leites modernos se criam igual de bem”, a suas costas comentarão: “ o que passa é que as mães de hoje nao aguentam tanto.”

Em conclusão,  durante milhões de anos não devia de haver quase problemas de posição. Depois de um parto natural, quando o bebê estava nos braços da mãe desde o primeiro segundo e nao se movia dali em meses, sem chupetas nem mamadeiras e com abundantes oportunidades para observar a outras mães com seus filhos. Quase todas os bebês mamavam bem. E em caso de problema, a dor avisava à mãe para que a corrigisse de imediato. A natureza não podia prever que nossa sociedade chegaria a fazer todo o contrário.

E por que não idealizou a natureza um sistema mais simples? Se a ocitocina fosse um pouco mais efetiva, e todo o leite saisse a jorro sem esforço para o bebê, este podia mamar ainda que estivesse mal colocado. Tampouco havia dor ou fissuras. A idéia é tentadora, mas não pode funcionar. Se o leite saisse sozinho, o bebê não tinha nenhum controle. Para que a quantidade e composição do leite se adaptem às necessidades do lactante, é necessário que este mame de forma ativa. Por isso, o leite não sai sozinho em nenhum mamífero, sempre tem que fazer um esforço. Por isso, as vacas, cabras e ovellhas tem que lhes ordenhar, não basta colocar um balde debaixo e esperar.

Por certo, já que estávamos falando de abnegação materna, me permito fazer um alegato contra o sacríficio. A palavra “sacrificio” tem várias definições e alguma delas nao está mal: “ato de abnegacao ou altruismo inspirado por a veêmencia do carinho.”. Mas também pode ser: “ação a que um se sujeita com grande repugnância”, de modo que se presta confusões.

Se sacrifica um alpinista para alcançar o cume? Se sacrifica o que estuda concurso para notario ou pratica horas e horas o piano? Nao estão fazendo algo que lhe repugna, estão fazendo o que desejam fazer. Eu não quero subir numa montaña nem ser notario, e por isso não o faço.

Se vc quer levar seu filho nos braços ou lhe dar o peito, façá-o. Se vc quer deixar de trabalhar por alguns meses ou alguns anos para cuidar do bebê, ou rechaçar uma magnífica oportunidade de trabalho no exterior para estar com sua família, façá-o. Mas só se vc quer. Se não quer,
não o faça. Dizer: “sacrifiquei minha carreira profissional para estar com meu filho” é tao absurdo como: "sacrifiquei a relação com meu filho por minha carreira.”. Não são sacrificios, são eleições. Viver é eleger, os dias só têm 24 horas, e o que faz uma coisa não pode fazer outra ao mesmo tempo. Eleja o que em cada momento te pareça melhor, e pronto. Quem faz o que quer não está renunciando, está conseguindo, não se sacrifica, triunfa.

O matiz é importante, porque quem faz um sacrificio, o faz, por definição, com grande repugnância. Nao se considerada pagado, acredita que lhe devem algo. Cedo ou tarde vc terá conflitos com os seus filhos. E nesses momentos, quem acredita haver se sacrificado pensa: “parece mentira, depois de tudo que fiz por você”, ou “por sua culpa, eu não pude chegar a...”  As palavras, uma vez pronunciadas, não se pode voltar atrás. Em compensação, os que são conscientes de haver feito o que desejavam mais bem pensam: “que pena que depois de todos os anos de felicidade que você me deu, agora tenhamos um conflito.” ou “ graças a você, disfrutei do privilégio de ser pai!"...


GONZÁLEZ, C. (2009). Comer, amar e mamar. Madrid: Temasdehoy, p.292-294.

Tradução: Sandra Costa

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